Redação
Há aproximadamente 60 dias estamos vivendo uma situação inusitada e catastrófica em nosso estado. Acordamos e dormimos com muita chuva, sim, chuva, mas de cinzas das queimadas que assolam grande parte do Brasil e especialmente Mato Grosso, mais especificamente Cuiabá, Várzea Grande, Leverger, Chapada, Poconé e toda baixada cuiabana.
A sensação é de estar vivendo literalmente ao lado do inferno, cujo fogo que nunca se apaga, arde ainda mais aqui no centro da América do Sul.
Estamos respirando, inalando e engolindo essa cinza fumacenta. Os telhados estão cobertos de cinzas, os carros amanhecem escurecidos de tanta fuligem, os animais sofrem inquietos e as crianças e idosos estão todos adoecidos com muitos problemas respiratórios.
Até quando vamos resistir a esse clima Venusiano, tanques ardentes de fogo, enxofre e óxido de carbono.
As águas guaranis e amazônicas já estão sendo consumidas, pantanal queima e arde, os cílios dos olhos dos rios já não tem mais água.
Só nos resta rezar pra que dois milagres aconteçam. Primeiro é que chegue logo às chuvas de setembro que já estão atrasadas, e isso deve acontecer por compaixão divina. Mas, o segundo milagre é a consciência coletiva do ser humano que vive e convive conosco nesse tempo presente. O milagre mais importante e esperado em toda história humana, é fazer com que homens e mulheres entendam de uma vez por todas que dependemos totalmente da preservação do nosso planeta, que infelizmente estamos destruindo com muita velocidade todo meio ambiente que pisamos e tocamos.
Talvez uma saída será a educação ambiental na prática, transversalidade total com todas as outras áreas do conhecimento educacional, crianças, adolescentes e jovens, juntos com todos os profissionais de educação, numa ordem mundial de preservação e desenvolvimento sustentável verdadeiro a partir da escola e da universidade. A construção de uma nova sociedade socialmente e ambientalmente referenciada.
É preciso que este momento de chuva cinzenta nos traga o mínimo de reflexão possível, que essa experiência de viver ao lado do inferno possa despertar nossa consciência coletiva, pois estamos experimentando uma premonição antecipada, uma visão de um futuro próximo, pois se nada acontecer teremos a partir de agora períodos longos de chuva de cinzas e secas, períodos cada vez mais curtos de chuva de águas claras e reconfortantes.
Um plano emergencial planetário precisa ser implementado. O tal crédito de carbono e moeda verde tem que sair do papel. Quem detém posses das terras precisam ser muito bem remunerados por não cortar mais nenhuma árvore. O modelo econômico tem que mudar urgente. A tal bioeconomia tem que ser estabelecida imediatamente. Um hectare de mata nativa tem que valer 10 vezes mais que qualquer cultura agrícola implementada ou pasto aberto. Produzir e consumir menos deve ser valorizado monetariamente. Os crimes ambientais devem ter penas mais duras, especialmente pra quem queima, desmata e desvia água de rios, lagos ou aquíferos. Um grande programa de revitalização de áreas degradadas e recuperação das nascentes deve acontecer.
Será que é realmente impossível retroagirmos desse modo consumista de viver? Será que a COP 30 que acontecerá novamente no Brasil no próximo ano, depois de 35 anos (Eco Rio 1992) terá decisões definitivas em direção à preservação do nosso planeta? Ou vamos correr na direção do inferno que estamos construindo com as nossas próprias mãos?
Por enquanto é continuar tentando apagar os diversos incêndios por aqui e aproveitar a nossa chuva diária, a de cinza e de fumaça.
Allan Kardec Benitez é secretário de Estado Ciência, Tecnologia e inovação. Dr. Estudos de Cultura Contemporânea. Academia Mato-grossense de Letras. Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.