O resultado do primeiro turno das eleições começa a impor aos partidos de esquerda do país uma mudança de rota. Políticos, líderes comunitários e pesquisadores ouvidos pelo UOL afirmam que a disputa eleitoral empurra este campo político para um período de transformação.
O PT (Partido dos Trabalhadores) elegeu 248 prefeitos em todo o país. Embora a sigla tenha conseguido eleger 70 candidatos a mais que em 2020, a legenda tem sofrido um encolhimento desde 2016, quando estava presente em 629 prefeituras, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) não elegeu prefeitos no primeiro turno destas eleições. Junto com o PT, a sigla é uma das principais do campo da esquerda no país. Na disputa eleitoral, a legenda perdeu a única capital que administrava — Edmilson Rodrigues, que concorria à reeleição, ficou fora do segundo turno em Belém (PA).
Na disputa pelo segundo turno em São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) está atrás de Ricardo Nunes (MDB) nas pesquisas. O primeiro Datafolha para o segundo turno, divulgado na quinta (10), mostra que o psolista tem 33% pontos, contra 55% do atual prefeito. A rejeição ao nome do deputado alcança 58%, enquanto a de Nunes é de 37%. Boulos ficou atrás de Nunes e de Pablo Marçal (PRTB) na maioria dos bairros de periferia da cidade no primeiro turno.
Presidente Lula avalia ser preciso rediscutir papel eleitoral do PT. “Hoje 80% dos prefeitos foram eleitos em cinco estados, todos do Nordeste. Tivemos boa participação no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais ganhamos as que já governamos [Contagem e Juiz de Fora], mas não fomos bem em São Paulo”, disse ele na sexta-feira (11). “Perdemos São Bernardo do Campo, Santo André, perdemos inclusive Araraquara, onde tínhamos certeza de que iríamos ganhar. Estamos no segundo turno em Mauá e Diadema”.
O cenário difícil para a esquerda no Brasil deve encaminhá-la para a composição de um “centro programático”. Na avaliação de Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul e um dos nomes mais tradicionais do PT, nos próximos 20 anos a esquerda e o centro devem compor um campo único. “Para um governo estável de centro-esquerda é preciso ter um centro estável para compô-lo”, afirma.
“O Brasil não tem um centro político e moderno que defenda um projeto republicano e democrático”, diz Genro. Para ele, partidos que integram esse campo atuam em um “conluio de interesses”. O ex-governador do RS acredita que a esquerda passa por um período de transição e que a lição histórica que permanece é a elaboração de um programa de frente ampla para o país.
Dificuldades afetam a esquerda no Brasil e no mundo, aponta o ex-ministro do governo Lula. “Há um problema de reenquadramento em todo o mundo. Não acho que os resultados foram bons, mas toda a esquerda vive um processo de criação de uma nova personalidade política num sistema globalizado.”
Genro afirma que o PT se tornou um partido voltado às eleições. Mas, segundo ele, não se trata de uma escolha e sim de “uma nova realidade que se impõe” — em que há a necessidade de saber “compor e fazer alianças”.
“Esquerda morreu enquanto força motriz do debate político”, avalia o filósofo Vladimir Safatle, professor da USP. Para ele, que é filiado ao PSOL, a extrema direita pauta o debate atualmente. “O que nos resta é ficar desesperadamente tentando construir frentes amplas para tentar barrar a ascensão dela”, afirma. “Com isso, as pautas da esquerda vão se descaracterizando”.