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Queda no número de resgatados mascara subnotificação de trabalho escravo, diz MPT

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Em Mato Grosso, o número de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão tem diminuído nos últimos anos, passando de centenas em décadas anteriores para apenas 17 em 2023. No entanto, essa queda pode esconder uma subnotificação, avalia o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Allysson Feitosa Torquato Scorsafava.

“Nós já estivemos no topo do número de resgatados, mas os números de resgates vêm caindo consistentemente. Desde 2020 o maior número de resgates foram 33. Então, o número de resgatados caiu bastante e isso pode ter sido causado pela mudança nas atividades econômicas aqui do estado. Por exemplo, o maior número de resgates, acontecia no setor da cana. Esse setor passou por uma melhoria. Mas coincidentemente, enquanto isso foi acontecendo, o número de auditores fiscais do trabalho, que é o órgão central da repressão, caiu muito em Mato Grosso”, aponta.

Rodinei Crescêncio

�llysson Scorsafava - MPT

Para o procurador, a insuficiência de auditores fiscais do trabalho no estado está diretamente ligada a essa subnotificação. No ano passado, foi realizado um concurso, mas os aprovados ainda não foram chamados. Antes disso, o último concurso havia sido apenas em 2013. O número de auditores do trabalho foi só reduzindo.

“Os servidores foram voltando para suas localidades de origem, estados mais populosos, e com poucos auditores você tem menos operações, você tem operações mais demoradas e, consequentemente, menos resgates. Eu diria que a insuficiência de quadro de auditores fiscais do trabalho é o grande desafio para a repressão em Mato Grosso. Então não é, essa redução não significa necessariamente que tenha uma redução de casos, mas sim dessa subnotificação”, afirma.

No entanto, ele Allysson não descarta os impactos da mudança econômica, já que o setor que mais escravizava em Mato Grosso passou para uma conformação, ainda que decorrente da mecanização. Atualmente, os setores que mais escravizam são: pecuária, fabricação de álcool, cultivo de cana-de-açúcar e, em seguida, cultivo de algodão e soja.

“Quando eu falo em pecuária, não estou falando do vaqueiro, estou falando principalmente ali do pessoal que constrói cerca, roça e abre mata para pasto, esses são os que mais foram resgatados. Essas são as funções dentro desse setor da pecuária que mais escraviza pessoas, documentadamente, o que acontece abaixo do radar a gente não sabe”, pontua.

Eles apanhavam, não ganhavam salário, era uma existência bem miserável mesmo e por muitas décadas

Conforme os dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, a maior parte dos resgatados são homens de 18 a 24 anos, que têm apenas até o 5º ano incompleto ou é analfabeto. Além disso, 52% são pardos. Muitos são migrantes.

“O caso mais impactante que eu lembro, foi o de dois irmãos idosos, com deficiência intelectual, que foram resgatados pela Polícia Militar e pela Assistência Social de Pontal do Araguaia, numa fazenda, onde eles estavam desde a menor idade. Quando saíram de lá, foram para uma casa alugada pela prefeitura, e não sabiam usar banheiro, preferiam usar o quintal. Eles apanhavam, não ganhavam salário, era uma existência bem miserável mesmo e por muitas décadas.  Na época foi celebrado um acordo para venda de parte da fazenda e ressarcimento a eles. Coincidentemente, encontrei um terceiro irmão, que havia ficado na origem, não foi escravizado. Hoje eles moram com esse irmão em Goiás”, relata.

Segundo o procurador, ainda existem casos, principalmente no trabalho doméstico, que a vítima tem dificuldade de entender que está em uma situação de trabalho escravo.

“Principalmente o escravizado permanente, que está bem ligado ao chacareiro, essa pessoa que mora ali, passou a vida inteira nessa propriedade rural. A maioria dos resgates de trabalho escravo não é a pessoa, a vítima, que faz a denúncia, é alguém que viu, alguém que percebeu isso. Às vezes ela se vê até como parte da família. Agora, os escravizados temporários, o pessoal das atividades econômicas, esse pessoal costuma saber sim”, afirma.

Rodinei Crescêncio

�llysson Scorsafava - MPT

Allysson explica também que esses casos também são comuns em atividades sazonais feitas por migrantes. “Ora ele vai receber uma proposta, vai chegar na fazenda e vai ser um emprego normal, ora não vai ser. Então, é difícil falar, mas se a proposta é boa demais para ser verdade, se ela distorce do padrão, pode ser um indício, se o nome da pessoa estiver na lista de trabalho escravo pode ser um indício, se for um lugar muito isolado também, uma atividade dessa de desmate, desmate ilegal, a pessoa tem que ficar mais esperta”, detalha.

O procurador reforça a importância da denúncia para que os resgates aconteçam.

Se a proposta é boa demais para ser verdade, se ela distorce do padrão, pode ser um indício

“Tem dois tipos de denúncia. A sigilosa e anônima. Nos dois casos, a identidade é preservada perante terceiros. A denúncia anônima, a pessoa não se identifica nem para o órgão ao qual está denunciando. E na denúncia sigilosa, ela se identifica para essa pessoa, preferencialmente, deixa dados de contato para esse órgão, mas pede sigilo da sua identidade, de maneira que ele não compartilhe com terceiros essa informação. O ideal é a denúncia sigilosa. Isso porque muitas coisas que podem parecer óbvias ao denunciante, como a localização da fazenda, para quem está recebendo em Cuiabá ou em Brasília, não é”, reforça.

No caso do trabalho doméstico, será preciso um mandado para entrar na casa da pessoa. Então, uma prova indiciária de um depoimento, de uma testemunha, é necessária.

“Se a pessoa larga uma denúncia anônima e você não pode colher o depoimento dela, não pode procurar uma testemunha, você não vai conseguir o mandado. Então, eu sempre oriento: peça sigilo da sua identidade, mas deixe os dados para contato, para a denúncia não ser arquivada por falta de elementos”, finaliza.





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