Quando começou a participar do projeto Amazônia Viva Alimenta (AVA), Liliane Vieira da Cruz havia sido recém-eleita presidenta da Associação de Mini e Pequenos Agricultores do Projeto de Assentamento Cachimbo (Agripac), no distrito de União do Norte, em Peixoto de Azevedo (MT). Em 27 anos da organização, ela foi a primeira mulher a assumir o cargo de liderança.
Apesar de já participar da Agripac há algum tempo, Liliane tinha pouca familiaridade com a estruturação de documentos, com a viabilidade econômica e com a gestão de uma associação. Ela também sentia receio e vergonha de ter voz ativa com os associados e com o conselho.
“Eu era um pouco mais reservada, ficava muito no me canto e hoje não. Hoje eu converso com todo mundo, hoje eu consigo me expressar melhor com as pessoas. Como pessoa, o projeto me ajudou muito também. Na questão de me valorizar mais, ver o meu lugar, saber que eu tenho voz”, contou.
O AVA surgiu no começo de 2022 com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de sistemas alimentares justos, resilientes e inclusivos na Amazônia mato-grossense no
cenário de recuperação pós-pandemia. Ao longo de 3 anos, 1,2 mil pessoas agricultoras foram beneficiadas e foram realizados 6 módulos de formação com foco em viabilidade econômica, gestão democrática e justiça de gênero.
O projeto foi executado pelo Instituto Centro de Vida (ICV), em parceria com a Cooperação de Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa (Capina) e com a Fundação Luterana de Diaconia (FLD). O financiamento foi da União Europeia.
Conforme explicou a analista socioambiental do ICV, Benedita Mendes, cerca de 30 projetos propostos pelas organizações comunitárias e grupo de mulheres foram apoiados nos municípios de Colniza, Cotriguaçu, Nova Bandeirantes, Nova Monte Verde, Paranaíta, Alta Floresta, Carlinda, Itaúba e Peixoto de Azevedo, todos no interior de Mato Grosso.
“Além do investimento nas organizações comunitárias, o AVA desenvolveu outras atividades, como o apoio à rede de certificação orgânica, a políticas públicas e à compostagem. Foram ações realizadas durante esses 3 anos de projeto e que na sua complementariedade se desenvolveram no espaço territorial do projeto”, explicou.
A assessora de projetos socioeconômicos ambientais da Capina, Thais Mascarenhas, explicou que as formações foram baseadas na educação popular com metodologias participativas focadas no protagonismo dos grupos e organizações participantes.
“No último módulo, nosso 6º encontro, a gente focou na avaliação participativa desses processos e saíram resultados muito significativos. A gente viu que as organizações tiveram mais participação dos seus associados, mais participação das mulheres. Diversos grupos utilizam hoje as ferramentas como estudo de viabilidade econômica, pesquisas de mercado.”
No mesmo sentido, a coordenadora do Programa de Pequenos Projetos FLD, Julia Witt, destacou que a proposta metodológica desenvolvida no projeto foi inovadora. Isso porque, ao mesmo tempo em que eram realizados as formações e o trabalho de base, pequenos projetos eram desenvolvidos por meio dos editais lançados.
“A gente acredita que essa metodologia em que os próprios grupos são protagonistas, têm autonomia para planejar, para fazer a gestão, para executar seus próprios projetos, é fundamental para fortalecer as organizações que estão nos territórios e que sabem melhor do que ninguém o que é preciso, quais são as principais necessidades para conseguir alcançar as transformações importantes nos lugares em que elas vivem.”
Empoderamento feminino
A agricultora familiar Mariane de Oliveira Rodrigues, do Clube de Mães Paz Divina da Comunidade Sol Nascente, em Alta Floresta (MT), tinha preconceito com assuntos relacionados à justiça de gênero. Depois do projeto, ela entendeu a importância de se abordar o assunto dentro da sua organização para chamar mais mulheres para os espaços de discussão.
“Algumas coisas eu tinha preconceito por não conhecer mesmo. No projeto, eu pude ter uma perspectiva mais a fundo e tive uma visão muito melhor das coisas que acontecem nos nossos territórios, então isso mudou muito a minha forma de ver o mundo, de ter mais empatia com algumas mulheres para saber ouvir”.
Para Claudine Dias de Oliveira, da Associação Amuliberdade, de Colniza (MT), o ponto mais importante do processo de formação foi a viabilidade econômica, em que ela aprendeu a ter um melhor controle dos gastos e aquisições realizados pela organização.
“Na minha vida eu trabalho com vendas e dentro do grupo da associação também. Esse conhecimento foi muito favorável pra mim. A gente antes só fazia as coisas sem planejar, não sabia o que era preço, o que era custo. A gente não sabia nem fazer uma pesquisa. O AVA fez realmente toda a diferença tanto na minha vida quanto na nossa comunidade”.