Tão presente no dia a dia dos brasileiros, o feijão é a leguminosa mais consumida. No entanto, quem exagera na dose costuma ter aquela sensação de inchaço característica. Aliás, não é segredo para ninguém que o prato costuma causar flatulências. No entanto, se depender da ciência, esse incômodo está com os dias contados.
Uma equipe de pesquisadores da Embrapa realizou, pela primeira vez, a edição gênica em feijão para o desenvolvimento de uma nova variedade com menos fatores antinutricionais, ligados a um grupo de substâncias chamado rafinose, um tipo de composto conhecido por causar desconforto digestivo e gases em humanos.
Os cientistas conseguiram eliminar genes relacionados à produção de oligossacarídeos (carboidratos) da família rafinose, a partir do conhecimento do genoma do feijão e do domínio de ferramentas de engenharia genética de sistemas CRISPR (sigla em inglês para Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas).
Dois genes do genoma da planta foram desativados, de acordo com os pesquisadores da Embrapa Arroz e Feijão (GO) em Biologia Molecular Josias Correa e Rosana Vianello, coordenadores do estudo inédito.
Vianello conta que a pesquisa analisou os teores de oligossacarídeos do grupo rafinose em diferentes tecidos e fases de desenvolvimento da planta de feijão. Essas informações foram avaliadas em relação ao conhecimento já produzido pelo estudo do genoma do feijão, sequenciado há quase dez anos.
Inativação de genes do feijão
O objetivo foi conhecer o padrão de expressão dos genes alvo potenciais que estariam por trás da biossíntese de rafinose. Nesse processo, os pesquisadores investigaram o padrão de expressão de genes, e dois deles, rafinose e estaquiose – outro oligossacarídeo de difícil digestão –, foram identificados e inativados. Esses genes tiveram sua expressão bloqueada por meio da adaptação de ferramentas de edição gênica.
Vianello considera que a técnica CRISPR é revolucionária para edição gênica. “No caso de características relacionadas à qualidade tecnológica e nutricional de grãos, a técnica emerge como uma importante ferramenta para editar genes específicos e, com isso, realizar um melhoramento de precisão, abrindo novas perspectivas para o desenvolvimento de variedades mais atrativas para produtores e consumidores”, afirma.
Gerações de plantas editadas
Segundo a pesquisadora, a próxima etapa desse estudo, já em andamento, é o avanço de gerações de plantas editadas com os genes da rota de rafinose desativados. Isso implica, em ambiente controlado de casa de vegetação, o plantio de sementes, o crescimento de plantas, a colheita e o replantio de sementes.
A intenção, como em todo processo de melhoramento genético, é tornar estável a herdabilidade da nova característica.
“A geração editada T0 está produzindo sementes T1. Vamos plantar T1 e esperamos que a edição seja transmitida para a próxima geração. Somente com o avanço das gerações, de T1 para T2 e de T2 para T3, teremos as edições em homozigose (o que torna a característica editada com herdabilidade estável) e poderemos avaliar o fenótipo das plantas (conjunto de características resultante da interação com o ambiente), além de testar linhagens em diferentes locais que poderão se tornar uma nova variedade”, destaca Vianello.
A partir dos testes de fenotipagem é que também poderá ser determinado o quão significativa foi a redução da presença de teores de rafinose no grão de feijão. Todo esse trabalho pode levar ao lançamento de uma variedade editada geneticamente em um período entre cinco a oito anos.